sábado, 1 de setembro de 2012

A ficção do relato

Alexandre Pandolfo


A ficção do relato constrange o maestro

ao grão de pó e turva o pensamento

Enquanto o bispo espera

a queda

da torre que o protege –

o movimento em falso

O quadrado branco também se move,

não espera apaziguamento

A rainha cai

sentada na cadeira.

E a filha aguarda

o curso

os olhos

o rio que guiará

de volta o pai

ao pó, à cinza

que esvai

E o tempo, emudecido,

chora ao peso

do concerto

***

Xadrez

Camila Canali Doval



Rio dele

largado na cadeira

cansado

pesado

sempre

pisando o branco

da minha cozinha



um pé no ar

um pé no branco



o pé no branco

apoia a cadeira manca



o pé no ar

cansado

pesado

sempre



a cair no preto

a cair no preto

a cair no preto



***

Concerto em xeque

Daniela Damaris


Quebra-cabeças

sortido em concerto

de notas ritmadas

na catedral


No rio do tempo

o branco do dia

veste xadrez


Sem rito das cinco

no rio do tempo

criaturas em branco

retalham orquestras


O branco do dia

veste xadrez

no rio do tempo


Só resta a solista

no altar da paisagem

se bate à porta

o Juízo Final


Rio, dia, tempo:

os tons do xadrez

todos no branco


***



Emilene Corrêa Souza

Via o rio
Sentia o vento
Tão frio
Mau tempo
O branco se fez vez
e enquanto o concerto não começava
contemplava a dupla a jogar xadrez
Certo pelo certo
verdade verdadeira
e eu a divagar entre meus pensamentos
sentada na cadeira...

***




A palavra

Guilherme Bica


A palavra é uma saia xadrez que o vento dobra em partitura

é carne nervosa cujo espeto de cores demove a teimosia

é o tempo suspenso no deitar da ampulheta

é a própria ampulheta: deitada, exposta e nua


A palavra é um grupo de mendigos cujas mãos batucam em concerto

é o rio que observo desde meus olhos febris

é a prostituta que implora um quarto branco e ermo

é, acima de tudo, a filha sagrada do mais sagrado giz


domingo, 5 de agosto de 2012

Depois da curva

Neste jardim
de beijos frios
Neste jogo
sem harmonia
Buscas a luz
do desenlace
que a curva
                        guarda
em cor de café

(Fernanda Vier)


Renúncia

Há um Jardim de folhas de papel,
de onde recebo o vento frio do teu olhar.
Não há luz, harmonia ou belezas para amar.
A espera do beijo
é um jogo que não sei jogar.

(Renan Thumé Karam)


Folha de papel, solitária

Folha de papel, solitária
jogada no jardim
manchada de caféa
ssinada com um beijo.

A luz da Lua enaltece
o olhar frio,
cor de jade e sem harmonia
do amante.

(Priscila Meira)



Bosquejo
                                                  
Um beijo quente
ao cair da tarde
jogo de astúcia
no frio do jardim
Folha de papel
de luz, de seda
envolve o jade
Perfume de café
flor de jasmim.

(Ayalla de Aguiar)


Faulkner costumava dizer

Faulkner costumava dizer:
“Para escrever, preciso de folha de papel, tabaco e uísque.”
Eu não dispenso o meu café de todas as manhãs
Aquece o corpo
Ativa as ideias
Ajuda sempre
Meu jardim é um quarto abafado,
mas Rowan Oak está sempre na parede,
ao alcance das mãos e dos olhos
Leio Luz em agosto no mês que dá título à obra,
o mais frio de todos
A literatura é fogo, é jogo, é fome.

(Guilherme Giugliani)


Haicai

Dia frio:
Um beijo
e um café,
por favor!

Um haicai:

Luz e um café quente
para esse teu beijo frio
eis a solução

(Cátia Simon)


Descompasso

Descansa a caneta
sobre a folha de papel

É frio o pensamento
congela o discernimento

Deixa a luz entrar
lá de fora, do jardim

Quem sabe ainda há tempo,
horas sem harmonia,

Dias sem mim
um jogo de malícia,

e talvez, uma carícia
para o beijo que anuncia o fim.

(Clarissa Porto Alegre Schmidt)

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Ser Humano (Augusto Britto)

(após rodar pela terceira vez no teste da auto-escola de direção)



Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.

A parte isso tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Tabacaria – Álvaro de Campos



Eu, que tantas vezes ri da Humanidade,

Eu, a quem o mundo sempre foi – como certeza – ridículo,

Eu, que sempre soube – como ninguém – a mediocridade desses seres sociais,

Percebo agora, caminhando à noite como qualquer outro, como só mais um em um  

[infinito de inutilidades,

com as mãos no bolso,

com o olhar triste querendo se esconder na calçada,

que não passo de um ser humano,

patético, risível e inútil.



Quantas vezes gritei, ridículo!, ao homem chorando por não ter conquistado o

[mundo

Quantas vezes gritei, imbecil!, ao homem que não conquistou um desejo

Quantas vezes gritei, meu deus, quantas vezes gritei, inútil!, àquele que tanto queria qualquer coisa, por mais fútil que fosse, e não conseguiu.

Quantas vezes achei que a vida era simples, que a vida era treinar e ganhar, sem saber que poucos vencem, e que há sempre um perdedor.

Quantas vezes me achei um grande homem, conquistando tudo que sempre quis,

para agora perceber com náusea que não passei sempre de um débil

que sempre fugiu para o que era mais fácil

e que nunca ganhou senão em sonhos as batalhas inexistentes.



Como em uma tomada de consciência me impressiono com minhas vitórias invisíveis.

Me dou conta de que o sonho não é realidade

e perco por nocaute

do não que meus sonhos nunca me deram.



Eu, que vivi de rir de quem falha, vejo que fugi do mundo inteiro com medo de                                                                                           

                                                    [risadas.

Eu, que ri alto e confiante para mostrar minha confiança,

sofro com o medo do deboche que eu sei que virá.



Caminho sem rumo, porque sei que a essa hora não encontro ninguém que possa

[rir de mim na rua,

e chuto um mendigo deitado para provar minha superioridade.

Caminho sem rumo, e para sempre caminharei para longe do que me abala e do                   

[que me faz ver o que sou.

Não vejo motivos para voltar

e invento que a vida é uma inutilidade sem fim;

e essa noção me consola e me conforta.

Não vejo motivos para voltar

e se a vida é de fato uma inutilidade sem fim

sinto medo de que eu, inútil, só tenho uma opção: a de dormir e morrer para fugir

[dessa dor.

Mas eu, inútil, não sirvo nem para não sentir dor.



Caminho porque não posso dirigir.

Sei dirigir, sei controlar uma máquina melhor que a mim mesmo

 – e por isso me seguro à máquina, como que querendo fugir de mim mesmo.

Por não conseguir me controlar,

ao ter de mostrar o que sei,

quando vou pegar a autorização de ter um papel – um simples papel! – que me

[permita fazer o que já sei,

quando eu vou mostrar aos outros o quão bom eu sou

eu falho,

eu, humano, risível, patético, inútil

humano

falho.



E eu, que tenho a vida inteira dirigido e me preparado,

que enquanto fui impedido por lei de tirar a carteira de motorista ri

[de quem podia ter permissão e não conseguia algo tão simples

– a vida é tão simples!,

por três vezes já não consigo,

e continuarei não conseguindo

– a vida agora me soa impossível, como soam impossíveis meus sonhos tão reais:

tudo cai e tudo é nada.



Eu, que sempre me considerei um ser de outro planeta,

perfeito, intocável,

agora levo um peteleco de qualquer transeunte

e caio, rendido a tudo, no chão.

Caio mais humano que toda a Humanidade junta, e me dói o deboche.

Forço lágrimas que não existem e não consigo fugir desse sofrer

– logo a fuga, que sempre foi meu ponto forte.

Eu, que sempre achei a vida simples e ri de quem dela tivesse medo

tenho agora mais que medo

do que me resta: dormir e morrer.



Achei que um dia eu pudesse salvar toda a Humanidade da humanidade mesquinha e medíocre desses seres

desses seres

e agora percebo ser um deles:

o mais reles.

Hoje, penso na possibilidade de voltar para casa e me contentar em ser ninguém, menos que um coadjuvante, menos que um nome, menos que humano para o resto

[da vida

me contentar com o nada

e percebo que essa opção já é obtusa,

dando-me conta de que me perdi na noite escura

cheia de caminhos tortos

como torto é meu coração.



Eu, que sempre ri de quem falava em coração,

ouço agora o meu bater

– e é um bater triste e inexorável.



Eu, que dei a fórmula da vida dizendo: luta! para quem estava decepcionado,

me odeio e não quero – nem consigo –

lutar.



Sinto uma impotência de quem nunca vai conseguir um papel meramente simbólico

que em outros tempos me faria dizer: que vá para o inferno essa merda de papel!

Hoje, esse papel é minha vida,

e sinto que jamais vencerei.



Mais dias, semanas, meses se passarão

e eu talvez não consiga nunca.

Talvez eu seja sempre aquele caso bizarro de quem tinha tudo para conquistar,

mas não conquistou não se sabe por quê.

De quem evita-se falar, e, quando comentado,

é com pena.

Agora fico feliz se alguém, ao invés de rir,

tem pena de mim.

Já não consigo sorrir,

minha máscara caiu para mim mesmo.

Preciso de conforto, mas nessa noite escura nem a lua me conforta.

E nunca houve quem me confortasse porque nunca julguei preciso conforto.



Entro em um bar decidido a ignorar o mundo.

Todos estão felizes, e eu sou invisível, apenas uma falha nisso tudo.

Sento em uma mesa e minha companhia agora é uma garrafa – e ela me ampara.

Me imagino de longe, vendo essa cena ridícula;

um homem sozinho, sofrendo de solidão sem nem ao menos ter

a ausência de alguém para lamentar – porque não há ninguém.

Pagando pela companhia de um líquido.



Me dou conta de que a risada foi sempre uma fuga de mim mesmo,

uma maneira de encobrir meus medos.

Medo.

Agora eu, humanamente, sinto medo,

de não conseguir realizar nada,

de passar a vida inteira sendo um inútil impotente – muito mais do que todos

[aqueles de quem ri, que, embora falhassem, também acertavam.

Medo de ser aquele de quem todos debocham e comentam:

aquele ridículo!

Medo de não conseguir ser mais que um ridículo.

De, na hora de ser avaliado,

falhar,

como tenho sempre falhado na vida.



Falhei! Meu deus! Falhei

ridiculamente

e escrevo esses versos ridículos que não me consolam nem me animam

e não me levam a lugar nenhum.

Fujo da vida lendo, e da frustração escrevendo.

E fujo de mim mesmo rindo dos outros que sofrem por eu mesmo ter tanto medo

[de sofrer.



O efeito da minha companhia começa a ser notado

e eu balbucio versos inúteis para uma gorda ao meu lado,

tão pouco interessada no meu patético charme,

no meu sorriso que transpira medo de receber um não

– e não só um não: um não de uma gorda horrorosa.

Levo um tapa na cara com a força de uma vida inteira

e ele me dói como se fizesse alguma diferença.

Agora meu inimigo é aquela gorda nojenta, mais bonita e muito mais feliz que eu.

Tento agredi-la e caio – ridículo – no chão.



O deboche veio da eterna debochada.



Me levanto cambaleante e tenho vergonha de tentar de novo

– a nova tentativa será frustrada, eu sei, e me contento com meu vexame.

Tenho vergonha de tentar de novo, e por isso saio

caminhando

– para sempre caminhando.



Por essa noite escura e esses caminhos tortos

não sei se algum dia encontrarei conforto.

Espero que o sol nasça logo, mas não sei por quê.

Não sei de mais nada.

Sei somente que volto para casa

e que sou humano

risivelmente

humano.


domingo, 15 de maio de 2011

Poemas de Suriel Moisés Ribeiro

Minha Verve

Minha Verve é fagulha migratória
Que ao voar sob as chuvas não cessou
Mas, ergueu flamejante, onde tocou,
A Bandeira Auri-Rubra da vitória.

Velho Engenho que a voz desencantou,
Pelas eras luzindo em trajetória.
Rocha Infante encravada na memória,
Que a serpente dos ventos modelou.

Caranguejo brilhando pela mata
Atraído ao luzeiro cor de prata,
Fogo Vivo ebulido pelo mangue.

Rija Espada a fulgir em dura Pedra,
Tessitura de Raios que alva, medra
Coriscando nas gotas do meu Sangue.


Cabra Castanha

O Ferro ardente e astroso do destino
Gravou raios de Sol em meu costado
Rasgando o véu do negro desatino
Com fino bico, o Gavião dourado.

Agora entendo mais o teu chamado
Clamor que escuto desde pequenino
Em teu pescoço o rastro demarcado
Estrela-Guia ao badalar do sino

E a angústia vil do berro reprimido
Uniu-se à voz de um ventre dolorido
Parindo um canto a mais em teu rebanho

E ainda ungido em sumo de placenta
Busquei teu leite que hoje me alimenta
E herdei teu pelo em meu cantar castanho


Psicografia de um eu lírico inconformado

Sem romper a inércia trivial
Sansarísticamente o céu buscava
Mas achei-me bem longe do ideal
Ao buscar neve em monte: quente lava.

E elegendo-a, pueril denunciava
Mas com isso caí no mesmo mal
E fugia do rumo que firmava
Nesta não-intenção intencional

E ao querer atingir o imprevisível
Mais transbordo o comum e o desprezível
E sem glória meu verso eu mesmo acabo

E por mais que fugir da roda intente
Mais eu giro na roda inconsciente
Que sou cobra a morder meu próprio rabo



Soneto acadêmico

Conheci um demônio enigmático
Vil construto de um ávido intelecto
Que domina de um modo sistemático
Faz de um verso, por rótulos, infecto

Com ardil monta seu esquema tático
Pra engessar em sua fôrma os pensamentos
o dinâmico olhar se faz estático
Nos limites de seus compartimentos

Torna um simples poema tão complexo
Especulando a intenção de quem o cria
Sob a égide da lógica e do nexo

Quem freqüenta uma "nobre" academia
Vê nas mentes o sórdido reflexo
Deste monstro chamado Teoria


Jornada Cultural


Vou cruzar o Brasil de ponta a ponta
Desvendando os mistérios culturais
Dentre as roças sertões e matagais
Vendo a arte que vívida desponta
Pensamento firmado e mala pronta
Vou tirar meu sapato e pôr chinela
E na longa jornada ver quão bela
É a história de cada lugarejo
Descobrindo o talento sertanejo
Onde a luz da cultura se revela

Vou pintar na memória uma aquarela
Com as cores de cada tradição
Traduzir o Brasil com perfeição
Nos detalhes de cada cidadela
Vou a pé, de canoa e barco a vela,
Percorrer cada metro brasileiro
Ver um vate, caboclo, cancioneiro,
Transformar uma opaca pedra bruta
Em diamantes de verso em voz matuta
Como fosse o mais hábil joalheiro

Quero ouvir os segredos do terreiro
Na seara de Obaluaiê
Entregar-me prum coco de Zambê
Numa noite estrelada de janeiro
Com licença de algum catimbozeiro
Ver o culto citado em “Iracema”
E no aroma de arruda e alfazema
Preparar-me pra entrar na sintonia
E entender neste rito a encantaria
Dos augustos mistérios da Jurema

Na procura do Santo diadema
Grande lume sublime Popular
Quero ouvir o mais rústico entoar
Do lirismo caboclo em um poema
Ver o bom cantador que, sem problema,
Improvisa em Martelo Alagoano
Que é complexo, mas ele, sem engano,
Cria versos com toda precisão
Metrifica lirismo e coesão
Humilhando qualquer parnasiano

Vou aos poucos deixar de ser profano
Conhecendo o Sertão dos menestréis
Que sem pompas, canudos nem lauréis
Dão exemplos de honra ao ser humano
O roceiro é artista soberano
Não existe doutor que faça igual
Um poeta, matuto, genial,
Como foi nosso grande Patativa
Uma estrela de luz forte e altiva
Clareando o universo cultural

Quero ver no estilo Armorial
Uma orquestra na beira de uma praia
Com rabeca, com pife, com alfaia
Urucungo, maraca e berimbau.
Quero ver nos festejos de Natal
Um cortejo de vozes tão sofridas
Entoando canções agradecidas
Demonstrando firmeza e confiança
Despertando na gente a esperança
De encontrar alegria em nossas vidas

Quero ver boi de reis nas avenidas
Relembrando o nascido Deus menino
E a brancura da pomba do divino
Contrastando com fitas coloridas
Quero ouvir o compasso das batidas
Sincopadas dum coco e dum baião
E no ardor causticante do verão
Sob a luz das estrelas caminhando
Ver um Boi magistral ressuscitando
No reisado de cada coração

Quero ver a folia do azulão,
Do nhambu, do xexéu, numa toada
Floreando o prelúdio d’alvorada
Quando o Sol vem rompendo a escuridão
Sob a luz matutina do Sertão
Ver a mata florindo bela e pura
Que, com toda abundancia, configura
Um cenário pra grande sinfonia
Dos canários cantando de alegria
Em louvor aos caprichos da Natura

Quero ver a mais mítica figura
Das histórias do velho pai Vicente
O saci viciado em aguardente
E a mula assombrando a noite escura
Boitatá a terrível criatura
Curupira cuidando o florestal
E um índio de encanto sem igual
Que tocava uma flauta de bambu
Num mistério virar uirapuru
Passarinho de canto divinal

Nesta grande jornada cultural
Vou findar esta sede que maltrata
Na mais limpa nascente que hidrata
A raiz do folclore nacional
Vou lavar o nojento lamaçal
Tão bizarro da “arte” de hoje em dia
Que desponta na rádio ou livraria
No pagode, no funk ou no congresso
De doutores que estudam prosa e verso,
Com a mesma pseudo-poesia

Vou pedir toda força e valentia
Necessárias na intrépida batalha
Pra transpor com bravura a vil muralha
Do modismo e da vã idolatria
Vou mostrar o valor da poesia
Que a própria natura nos retrata
Que não veio de um meio aristocrata
Nem de um grupo, de doutos, influente
Mas brotou e cresceu como a semente
De um ipê que ornamenta a verde mata

Já me usei de linguagem abstrata
Inspirado no estilo modernista
Mas é quando eu escuto um Repentista
Que a minha poética desata
Repentista parece uma cascata
Conduzindo lirismo em correnteza
No seu metro descreve com riqueza
O mais belo cantar dos rouxinóis
Construindo sublimes arrebóis
Em seu canto louvando a natureza

Vou saudar estes Mestres da destreza
Portadores da herança milenar
Cujo tempo cuidou de preservar
Desde as eras feudais da realeza
Que através das esquadras, portuguesa,
Holandesa, francesa e espanhola
Conduziram no mar a grande escola
Pra formar novos bardos com virtude
E trocar o nostálgico alaúde
Pelos fortes ponteios da viola

Como gira no espaço a grande bola
Nos etéreos confins da imensidão
Vou rodar o país nesta função
Pra matar a vontade que me assola
Ver os grandes concursos de viola
Transbordando em talento e maestria
E no afã da instigante cantoria
Contemplando o maior dos espetáculos
Alcançar a planície nos pináculos
Consagrados da Santa Poesia

terça-feira, 26 de abril de 2011

Poema do esquecimento (Ryan Mainardi)

estou enjoado
enojado
de tudo
de todos
da vida
das margaridas
do desespero
da confusão
tudo o que eu queria
era o que não há
o que não sou
o que não são para mim
vivo de exageros
de excessos
de hipérboles
pois se não fosse assim
não viveria
sobreviveria
e não há nada mais deprimente
humilhante
do que sobreviver
e eu me irrito
e me enojo
porque todos à minha volta
sobrevivem
enquanto eu
aqui
sozinho
tento
alguma coisa mais
hiperbólica
qualquer coisa quê
mas não me entendem
me incompreendem
e me julgam
com toda a falsa força
de suas verdades
a mim
que nunca acreditei em verdades
nem em mentiras
que nunca acreditei em nada
julgam a mim
que não posso ser julgado
pois não compartilho de seu mundo
de sua realidade
de suas verdades
de suas mentiras
e então eu penso
já que não o fazem os outros
mas pensar é perigoso
então eu sinto
que é mais perigoso ainda
e quando eu tento explicar
vem o julgamento velado
silencioso
com um sorriso de cumplicidade
uma leve mudança de assunto
“será que chove?”
pois eu
que tanto sei
ou nada sei
eu
que tanto sou
não caibo mais no mundo
pois este mundo
das pessoas
apequenou-se demais
e expulsou-me
para algum lugar qualquer
um lugar onde não há pessoas
não há mentiras nem verdades
só há o não-julgamento
e é aí que está:
de que me adianta ser quem eu sou
este apocalipse em forma de homem
se não há os ignorantes para me julgar?
os incultos para me apedrejar?
e é nessa solidão
que eu deixo de existir
pois deixo de ser ouvido
e quem não é ouvido
não é lembrado
nem julgado
nem apedrejado
é esquecido
e convenhamos
não há nada mais deprimente
decadente
do que o esquecimento

domingo, 17 de outubro de 2010

Poemínimos (Gerson Lattuada)

Poemínimo 1 ou Choro

mergulho no mar
e saio com os olhos ardendo
um choro imenso
não é meu


Poemínimo 2 ou Espera

ouve
vem vindo o verão
meus ouvidos
são agora
um par de conchas
à espera de um único som
- um só -
que lembre o mar


Poemínimo 3 ou Nada

do teclado estéril
minhas mãos
nada arrancam
nada a dizer-te de bom
nada a proclamar de ruim
apenas o barulho

  o
      p
         e
             r
                 a
                     c
                         i
                            o
                                 n
                                      a
                                           l

das teclas
receba entao só isso
o meu nada possível


Poemínimo 4 ou Concha Vazia

sou concha vazia
na areia, virada para o céu
querendo a brisa
pedindo vento
na espera de ouvir algo
para sair da condição
silente e protegida de concha.


Poemínimo 5 ou Sem acordo

Entre nós dois
o único acordo
é concordar -
não temos um


Poemínimo 6 ou Cega

quem vem lá
pergunta a cega Esperança
para o que nada vem


Poemínimo 7 ou Salvo

Nada a fazer
Salvo
Soluçar poemas


Poemínimo 8 ou Volta

Quando amo
volto a ser
Eu em outro
Sabendo-me
E sabendo ser
O outro
A volta diária
Para minha própria casa.


Só o Poema

A dúvida
sem resposta
repete

O choro
não atendido
rebenta

O prazo
não cumprido
se adia

A dor
negada
insiste

O amor
não dito
perdura

Só o poema
não escrito
prescreve


O Mar

o mar
vomita
ser imenso
rejeita oferendas
devolve flores
recusa velas
o mar
repete ondas
repete mortes
pesadas lágrimas
engole gente
o mar
revolve a raiva
revolta o sal
o mar
repete as ondas
repete aos homens
eu sou
o mar
constante marulhar
do mesmo mantra
o mar
derrama ondas
quebra o silêncio
bradando sempre
e novamente
eu sou
o mar

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Poemas de Ayalla de Aguiar

Os Sinos da Igreja das Dores


Sinos das Dores
dos detratores
praguejadores
de meus temores

Sinos das dores
dos enforcados
dos condenados
injustiçados
escravizados

Sinos das dores
dos colibris
dos bem-te-vis
dos chauve-souris
dos roedores.

Sinos das dores
de meus temores
de maus humores
de vaticínios
de latrocínios
de morticínios

Sinos das Dores
dos pecadores
praguejadores
Sina das dores
dos redentores.


Pontos y cruzes

Será que sou triste
Será que estou morta
Será que estas cruzes
Que cruzo e descruzo
Que arrasto no rasto
Que mostro no rosto

Será que é caminho
Será que é morte
Será que é o prazo
Cobrado do rastro
Cortado da carne
Mostrado no rosto?

Será que é a morte
Que cruza e descruza
Que passa se apressa
Envolta na vida
Será que é tristeza
Será que estou morta
Será que estou morta?


Poemeto jâmbico cataléctico

Na valsa
Ela dança
Descansa
Segura
No braço
De abraço
Apertado.
Valsando
Rodando
Marcando
A cadência
Da valsa
A dolência
Do afago.
Na dança
balança
Não cansa
Rodando
A esperança
No abraço
Estreitado
Valsando
Rodando
Sonhando
Descansa
A lembrança
Dos braços
Do amado.


Os últimos estertores da Serra do Mar

Paridos
em fogo e lava
jazem os dorsos
dos dinossauros
empedernidos.
O suor da terra
ergue-se em véus
que se desfazem
e se refazem
se acasalam
parindo a chuva
lavando a lava
empedernida
dos duros dorsos
dos dinossauros.