A ficção do
relato
Alexandre
Pandolfo
A ficção do relato constrange o
maestro
ao grão de pó e turva o
pensamento
Enquanto o bispo espera
a queda
da torre que o protege –
o movimento em falso
O quadrado branco também se move,
não espera apaziguamento
A rainha cai
sentada na cadeira.
E a filha aguarda
o curso
os olhos
o rio que guiará
de volta o pai
ao pó, à cinza
que esvai
E o tempo, emudecido,
chora ao peso
do concerto
***
Xadrez
Camila Canali Doval
Rio dele
largado na cadeira
cansado
pesado
sempre
pisando o branco
da minha cozinha
um pé no ar
um pé no branco
o pé no branco
apoia a cadeira manca
o pé no ar
cansado
pesado
sempre
a cair no preto
a cair no preto
a cair no preto
***
Concerto em xeque
Daniela Damaris
Quebra-cabeças
sortido em concerto
de notas ritmadas
na catedral
No rio do tempo
o branco do dia
veste xadrez
Sem rito das cinco
no rio do tempo
criaturas em branco
retalham orquestras
O branco do dia
veste xadrez
no rio do tempo
Só resta a solista
no altar da paisagem
se bate à porta
o Juízo Final
Rio, dia, tempo:
os tons do xadrez
todos no
branco
***
Emilene Corrêa Souza
Via o rio
Sentia o vento
Tão frio
Mau tempo
O branco se fez vez
e enquanto o concerto não
começava
contemplava a dupla a jogar
xadrez
Certo pelo certo
verdade verdadeira
e eu a divagar entre meus
pensamentos
sentada na cadeira...
***
A palavra
Guilherme Bica
A palavra é uma saia xadrez que o vento
dobra em partitura
é carne nervosa cujo espeto de
cores demove a teimosia
é o tempo suspenso no deitar da
ampulheta
é a própria ampulheta: deitada, exposta e nua
A palavra é um grupo de mendigos cujas mãos
batucam em concerto
é o rio que observo desde meus olhos febris
é a prostituta que implora um
quarto branco e ermo
é, acima de tudo, a filha sagrada do mais sagrado giz