domingo, 17 de outubro de 2010

Poemínimos (Gerson Lattuada)

Poemínimo 1 ou Choro

mergulho no mar
e saio com os olhos ardendo
um choro imenso
não é meu


Poemínimo 2 ou Espera

ouve
vem vindo o verão
meus ouvidos
são agora
um par de conchas
à espera de um único som
- um só -
que lembre o mar


Poemínimo 3 ou Nada

do teclado estéril
minhas mãos
nada arrancam
nada a dizer-te de bom
nada a proclamar de ruim
apenas o barulho

  o
      p
         e
             r
                 a
                     c
                         i
                            o
                                 n
                                      a
                                           l

das teclas
receba entao só isso
o meu nada possível


Poemínimo 4 ou Concha Vazia

sou concha vazia
na areia, virada para o céu
querendo a brisa
pedindo vento
na espera de ouvir algo
para sair da condição
silente e protegida de concha.


Poemínimo 5 ou Sem acordo

Entre nós dois
o único acordo
é concordar -
não temos um


Poemínimo 6 ou Cega

quem vem lá
pergunta a cega Esperança
para o que nada vem


Poemínimo 7 ou Salvo

Nada a fazer
Salvo
Soluçar poemas


Poemínimo 8 ou Volta

Quando amo
volto a ser
Eu em outro
Sabendo-me
E sabendo ser
O outro
A volta diária
Para minha própria casa.


Só o Poema

A dúvida
sem resposta
repete

O choro
não atendido
rebenta

O prazo
não cumprido
se adia

A dor
negada
insiste

O amor
não dito
perdura

Só o poema
não escrito
prescreve


O Mar

o mar
vomita
ser imenso
rejeita oferendas
devolve flores
recusa velas
o mar
repete ondas
repete mortes
pesadas lágrimas
engole gente
o mar
revolve a raiva
revolta o sal
o mar
repete as ondas
repete aos homens
eu sou
o mar
constante marulhar
do mesmo mantra
o mar
derrama ondas
quebra o silêncio
bradando sempre
e novamente
eu sou
o mar